Artigos

Vinculação às ONGs pode garantir para trabalhadoras do sexo prevenção combinada do HIV

*Ana Francisca Kolling

No Brasil, aproximadamente 900 mil pessoas vivem com HIV (PVHIV) e todos os anos são registrados em média 40 mil casos novos. A epidemia de HIV no Brasil é considerada concentrada em alguns segmentos populacionais, incluindo as mulheres trabalhadoras do sexo (MTS) que acumulam uma taxa de prevalência estimada de 5,3% – maior do que a população geral.

Outro dado importante é o aumento da prevalência de sífilis nessa população que foi estimada em 2016 como 3,5 vezes superior ao número de 2009.  Foram notificados no SINAN no período de 2007 a junho de 2019, um total de 207.207 (69,0%) casos de infecção pelo HIV em homens e 93.220 (31,0%) casos em mulheres. A razão entre os sexos para o ano de 2018 foi de 26 homens para cada dez mulheres e entre elas, 37,2% dos casos se deram entre brancas e 53,6% entre negras (pretas, 12,9% e pardas, 40,7%).

Em minha pesquisa para o doutorado, na Universidade de Brasília foi constatado que MTS que não se vinculam a ONGs ou associações, que não receberam material informativo sobre prevenção e/ou participaram de palestras nos últimos seis meses e que não se identificam como MTS quando vão aos serviços de saúde têm menos conhecimento sobre PEP e PrEP e utilizam com menor frequência o preservativo feminino. 

De maneira geral, as MTS não têm conhecimento e acesso suficiente às tecnologias de prevenção combinada do HIV a ponto de usufruir de seus benefícios. Consideramos que a adoção de modelos diferenciados de cuidados voltados para MTS em parceria com ONGs pode ser uma estratégia efetiva para ampliação do conhecimento e utilização das tecnologias de prevenção do HIV no Brasil.

Mesmo com as limitações desse estudo, foi possível identificar que as trabalhadoras do sexo ainda não têm acesso assegurado às tecnologias de prevenção combinada no Brasil, especialmente a utilização de preservativo feminino e PEP, realização de tratamento para HIV e vacinação para hepatite B.

Fica evidente neste estudo que as barreiras de acesso, principalmente aquelas relacionadas ao estigma e a discriminação impedem que as MTS possam se beneficiar de tais tecnologias, inclusive em situações que envolvem violência.

O perfil de MTS que tem menor conhecimento sobre as intervenções biomédicas (PEP e PrEP) foi associado a não vinculação a uma ONG, não participação em projetos educativos e/ou acesso a informações sobre prevenção nos últimos seis meses. Também foi associado com o fato de não se identificarem como MTS nos serviços de saúde.

Dessa forma, consideramos que a ampliação da oferta de prevenção combinada em Serviços de Atenção Primária (APS), a adoção de modelos de cuidados diferenciados e a promoção de um ambiente livre de discriminação podem contribuir de maneira expressiva para que essas tecnologias alcancem quem mais iria se beneficiar delas, a exemplo das trabalhadoras do sexo, evitando novas infecções.

*Ana Francisca Kolling, enfermeira, doutora em saúde coletiva na UnB e Consultora no Departamento de Doenças de Condições Crônicas e IST no Ministério da Saúde.

× Tem alguma dúvida?