Publicação marca o encerramento do primeiro seminário sobre o tema no país e se torna ferramenta de memória, formação e resistência.
Por: Alexandre Putti
No Espírito Santo, a Associação Gold realizou o primeiro seminário de transfobia ambiental do Brasil, uma iniciativa pioneira que reuniu ativistas, pesquisadoras, lideranças e pessoas trans em situação de vulnerabilidade para debater o impacto da crise climática na vida da população trans, sobretudo travestis negras e periféricas. O resultado dessa experiência coletiva é agora registrado no e-book “Transfobia Ambiental”, lançado com apoio do Fundo Positivo.
A ideia de discutir transfobia ambiental surgiu a partir da proposta do Fundo Positivo de financiar projetos sobre justiça climática. Para Débora Sabará, coordenadora de ações e projetos da Gold, a oportunidade foi perfeita para conectar a temática à realidade vivida diariamente por travestis em territórios vulnerabilizados. “Recebemos a proposta do Fundo e imediatamente pensamos que não havia espaço mais necessário do que debater a transfobia a partir das lentes do racismo ambiental. Assim nasceu o termo ‘transfobia ambiental’”, conta.
Com base em estudos, vivências e diálogos com especialistas, a Associação construiu um seminário que durou quase uma semana e reuniu mesas sobre meio ambiente, religiosidade, reciclagem, cultura e o protagonismo de pessoas trans nos territórios. “A gente falou sobre o trabalho das pessoas trans na reciclagem, na rua, nos espaços de exclusão. Onde não havia pessoas trans falando, a gente fez questão de ter pessoas aliadas que defendem nossas pautas”, afirma Débora.
O e-book lançado pela Gold reúne essas experiências, reflexões e propostas. “É um documento importante porque registra nossas vozes para estudantes, pesquisadores e ativistas. É uma fonte de estudo e memória que mostra como o racismo, o transfeminicídio e a ausência de políticas públicas estão diretamente ligados à destruição ambiental e social”, destaca a coordenadora.
Durante o seminário, uma das reflexões mais potentes foi sobre quem são os corpos mais expostos à violência ambiental no Brasil. “As pessoas trans negras, as travestis nas esquinas, em situação de rua, privadas de liberdade, são as primeiras a sofrerem com enchentes, fome, calor extremo. E ninguém fala disso. A violência ambiental também tem cor, classe e identidade de gênero”, reforça.
Débora também faz questão de reconhecer o papel do Fundo Positivo na construção dessa ação. “O apoio do Fundo foi essencial. Não só pelo recurso, mas pela liberdade de pensar, criar e executar um projeto do nosso jeito. O Fundo nos permite sonhar: sonhar com a metodologia, com a execução, com o resultado”, afirma.
O seminário contou ainda com ações de sustentabilidade como o plantio de árvores, substituição de copos descartáveis e bolsas confeccionadas em presídios por pessoas trans. “Tudo foi pensado de forma ambiental e coletiva. Queremos seguir discutindo justiça climática com esse olhar, e já buscamos apoio para o segundo seminário”, avisa Débora.
Entre as propostas para o futuro, está a criação de cozinhas solidárias para momentos de tragédia ambiental, além da instalação de ateliês para produção de itens de proteção e sobrevivência. “A crise climática já está entre nós, e são os nossos corpos que primeiro sofrem. Precisamos de estratégias comunitárias urgentes”, conclui.
O e-book “Transfobia Ambiental” está disponível gratuitamente para download e se propõe a ser uma ferramenta de formação, sensibilização e ação. Uma publicação que carrega a urgência de um debate inédito, mas necessário — porque justiça ambiental também é justiça trans.